Pais com o hábito de beber em casa falam abertamente sobre o tema
"Consumo de álcool faz parte do manual de crescimento de qualquer adolescente"
A Ana, o Miguel, a Sofia e o Rui têm várias coisas em comum. São amigos, já estão na casa dos 40, têm dois filhos adolescentes e consideram-se uns pais liberais.
A Ana e o Miguel são os pais da Maria, de 16 anos, e do Martim, de 12. Ela tem 45. Ele é um ano mais velho. “A Maria já bebeu álcool mas nunca mostrou muita apetência. O Martim sim. Pede para experimentar e gosta. Mais facilmente começará a beber do que a Maria”, diz a mãe, revelando que fala sobre o assunto com os filhos “de forma descomplexada”.
“É óbvio que lhes explico que, com a idade deles, o consumo de álcool pode ser penalizador para quem está numa fase de crescimento. Agora a experiência do consumo de álcool faz parte do manual de crescimento de qualquer adolescente”, continua esta coordenadora pedagógica numa escola de hotelaria. “Apanhar uma bebedeira não tem problema. É uma experiência. Mas se acontecer todos os fins-de-semana aí já é um problema”.
A Ana conta que os filhos estão habituados a ver os pais a beber em casa e em festas de amigos. Ela gosta de vinho e o Miguel de cerveja. E os avós também bebem.
O avô foi o primeiro a promover o consumo de álcool no neto, diz o Miguel, salientando que fala abertamente sobre o assunto e que os filhos também têm à vontade para falar.
Este designer não entende a razão pela qual o Governo manteve a idade legal mínima nos 16 anos para o vinho e a cerveja. “É tudo uma questão da quantidade e se eles quiserem beber bebem”, afirma. “Os miúdos não bebem vinho mas é a geração da litrada [cerveja]", acrescenta.
Na opinião da Ana, o problema não se resume ao consumo de álcool. A questão tem de ser vista “de forma mais abrangente”, defende, referindo-se aos contextos familiares, aos problemas de auto-estima e à necessidade de afirmação pessoal de muitos adolescentes.
“A minha lógica é mais pela informação e perspectiva pedagógica e não tanto pela perspectiva moralista” imposta por via da legislação, diz.
Uma visão que é partilhada por Rui, o pai da Rita, de 14 anos, e da Alice, de 10. “Existe na sociedade uma tendência proibicionista que me assusta. É evidente que tudo aquilo que põe em causa a saúde individual e colectiva deve ser regulamentada mas quanto mais proibimos mais ela se torna tentadora”, diz este ex-jornalista de 47 anos, que agora se auto-intitula de empreendedor.
“Consumido em excesso obviamente é nefasto mas o álcool é também um 'desinibidor' social muito importante”, defende, destacando que “está mais do que provado que uma das formas de aprendizagem de vida são as experiências e dentro das experiências há o erro”. “Os nossos filhos têm de ter essa margem para o erro e nós temos de controlar.”
"Não é nenhum papão"
O consumo de álcool também é um hábito em casa do Rui e da Sofia. “As minhas filhas habituaram-se a conviver de forma perfeitamente saudável com o álcool. Não é nenhum papão”, diz ainda o Rui, considerando que é um dos melhores processos de aprendizagem que podem ter.
“Sei que ela já bebe alguns copos de vez em quando, gosta muito de testar os limites e esticar a corda. As filhas da maioria das minhas amigas devem ter bebido uma cerveja e mais nada”, conta a Sofia, admitindo que a sua filha já bebeu muito mais. “Vai para festas e bebe outras coisas.”
Questionada sobre a forma como abordou o assunto com a filha, esta arquitecta de 45 anos responde: “Disse-lhe que beber um copo de vez em quando é bom mas é preciso ter algum cuidado com a quantidade. E expliquei-lhe porque é que não devia [exagerar] e quais os malefícios que lhe pode trazer enquanto não está completamente desenvolvida”.
A Sofia é da opinião que a nova lei pode funcionar como um travão ao consumo mas levanta a questão da falta de fiscalização. “Existem vários sítios onde são organizadas festas e teoricamente só entram miúdos com mais de 16 anos”. No entanto, a mãe não tem dúvidas de que estas festas estão cheias de menores de 13, 14, e 15 anos, sem que lhes seja pedida qualquer identificação.
É por isso que defende que o mais importante não é a legislação mas a informação e a educação que os filhos têm em casa e na escola.